Antônio Pedro Caldas, conhecido por todos nós, como Antônio Coca, intitulado “sem falta de teoria”. “Eu não sou um homem culto, sou um poeta matuto. Por falta de teoria, quem não tem conhecimento, não pode mostrar talento, no campo da poesia”, diz Antônio Coca, quando tenta explicar a força natural dos poemas que escorrem dos seus lábios, seduzindo pela beleza e criatividade. Seus versos soam assim como se a natureza e a sociedade, dotadas de inspiração, transbordam pelas páginas mais gratificantes da literatura popular. Por isso, a compreensão da sua obra pressupõe o resgate do seu vínculo profundo com a realidade de onde emergiu, da história da cultura popular em sua fisionomia mais autêntica e, em especial, da Literatura de Cordel e de sua importância na construção do saber popular, enquanto conjunto de narrativas que, chegando com os colonizadores, adaptou-se aos nossos códigos, ao nosso estilo próprio de fazer e contar nossos feitos. Creio que a junção entre o sabor da métrica e da musicalidade à riqueza da oralidade, ao papel dos violeiros, da transmissão oral das estórias e das narrativas tradicionais, resultou nesse forte instrumento da literatura popular. E, nele, Antônio Coca trafega como um conquistador, num vivo momento culminante dessa história com antecedentes que superam seus anos vividos ao longo de seus mais de setenta anos. A função artístico-cultural do Cordel possui um poder de encanto, de diversão, de informação que se alia à capacidade de instrumento de alfabetização do povo nordestino. Muita gente se alfabetizou graças ao Cordel. O folheto impresso passou a circular entre as pessoas como uma espécie de cartilha. Os textos passavam a ser familiarizados à medida que as pessoas iam mantendo contato com a escrita e a leitura. As leituras coletivas reproduziam no cenário nordestino as vigílias medievais, proporcionando a possibilidade do sonho e do enredo de estórias.
Lembro-me do seu livro de cordel, descrevendo com alegria a conquista do tri-campeonato mundial da seleção brasileira no ano de 1970, como também os seus versos tristes narrando o sofrimento do nosso povo na seca ocorrida no mesmo ano. Este contraste, entre versos alegres e tristes, apresentados em livros diferentes num mesmo ano retrata a fase áurea da poesia de Antônio Coca. O nordestino cantado por Tonho Coca tem desejos, quer mudanças, tem graça e beleza, mesmo que estejam nos grotões ou espalhados pelos quatro cantos do mundo, esquecidos pelas elites -- pelos donos do poder. O poeta retrata essa realidade com a maestria de um “doutor sem canudo”, de um carroceiro analfabeto, órfão de liberdade e fraternidade.
Foi assim que eu sempre o vi: corpo e alma identificados com a beleza da trova. Mas os olhos não vêem a mesma coisa. William Blake, num aforismo, disse que “o tolo não vê a mesma árvore que o sábio vê”. E Bernardo Soares explica por que: “O que vemos não é o que vemos, é o que somos”. Eu o vejo com o que sou, olhos de quem ama a poesia. Mas alguns o vêem com olhos diferentes, também verdadeiros. E você aparece então como pai de família e cidadão íntegro, amigo de todos.
Quanto a mim, eu me lembrarei sempre de você sorridente e feliz ao final dos seus versos, quando você nos dava sua última lição, como se fosse um mantra ao final de uma liturgia sagrada: “Poesia é vida interior. E quem tem vida interior jamais padecerá de solidão”.
Guimarães Rosa dizia que “Deus nos dá pessoas e coisas, para aprendermos a alegria... Depois, retoma coisas e pessoas para ver se já somos capazes da alegria sozinhos...Essa... a alegria que ele quer”
É nessa trajetória do saber popular que compreendemos Antônio Pedro Caldas - o Antônio Coca, nascido em 29 de junho de 1931, em Cedro de São João – SE, expoente vivo da construção do Cordel sergipano.
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